domingo, 28 de novembro de 2010

Voos entre nós

Entre São Paulo e Recife, 28 de novembro de 2010.


Contemplar as verdades nos faz um bem imenso, principalmente quando são verdades incômodas, que escondíamos para não nos revirarmos. Com humildade, reconhecer as faltas que fizemos, perdoar-se e pedir desculpas sinceramente desata os nós que damos entre nós mesmos e as outras pessoas. Depois de desatada, a corda que separava, entra em linha reta e torna mais próximos e humanos os polos que se distanciavam por divergências insignificantes.

Somos diferentes, porém não deixamos de ter emoções, sentimentos, mesmo que o ambiente seja de trabalho, seja social, nos coloque como máquinas abarrotadas de tarefas.

Somos mais próximos do que imaginamos e o que me deixa confiante nesse pensamento é o fato de que nossa história é um risco traçado no livro que conta a História dos seres humanos e que o risco um dia será apagado pelo tempo.

O que medirá o que significamos serão as impressões que o lápis dá (as atitudes) às páginas (acontecimentos) e que ficarão impressas de maneira imperceptível ou em um relevo singular. Nosso legado serão as asas que permitimos a nós e aos outros voar. Às vezes, a missão será enxergar voos em territórios que antes pareciam inatingíveis. Outras, enfrentaremos grandes tempestades e quem sabe, seremos assolados pelo vírus da insegurança.

Neste momento, eu lembro dos pequenos riscos que venho dado, alguns apagados por mim mesma, na busca incessante por uma perfeição inexistente. Vejo que perdi bastante com isso e enxergo agora claramente a beleza estética do conjunto.

Erros e acertos, somos humanos e temos uma missão. Ser educador é reconhecer medos, olhar para o horizonte, ver asas em quem nem cogitou que poderia voar. A nossa mente é uma maravilhosa construtora de mundos, as palavras que destroem, podem reerguer, dar novo ares e fazer-nos novos de novo. Olho para o espelho e vejo que fui muito ressequida e antiga em noções e que meio morta fui levando a vida, na irrefreada procura por méritos, necessidade de reconhecimento.

E quanto a reconhecer-se como sujeito-ator da própria existência?

Em pleno voo, dentro do avião, entre tantas viagens e compromissos, tenho insights motivadores, que me fazem rever o caminho trilhado e o que vem se descortinando a minha frente.

Visualizo pressão e opressão, professores pela exigência e disputa acadêmica, sendo premiados por quantidade, sem qualidade, cansados, doentes, adoecendo também os alunos, na lógica do mercado, em que ter ultrapassou o ser e nos tornamos fortes oradores e debatedores do conhecimento intelectual, porém, frágeis espectadores da vida.

Com pouco mais de um ano lecionando na universidade, escuto o sistema educacional adoecido e no espelho, uma professora que se revisa, para não se enquadrar nos moldes. Modelos do ambiente acadêmico que em vozes veladas apregoam assédios morais, ataques a humanidade de quem devia estar mostrando os céus pela frente dos jovens, voando com eles na infinitude de ser e de realizar-se como ser humano. Recordo-me da filosofia grega e das ideias que envolvem o 'daemon', nosso talento de ser atuando na existência, ser risco significativo nas páginas que traçaremos durante nossa breve estadia nesse mundo.

Recebemos dádivas individuais que crescem e afloram no diálogo. Que lugar melhor, senão na educação, para a “multiplicação dos pães”? Porque muitos de nós, professores, esquecemos de ser educadores e nos regojizamos quando trancafiamos a mente de nossos alunos e damos mais atenção aos que reproduzem os conceitos, as epistemologias, o que colocamos como indispensável nos livros e não também nas práticas, nas vivências cotidianas?

A responsabilidade aumenta no âmbito das universidades, principalmente quando pensamos nos cursos de formação de educadores. Que didática é essa que fica no palavratório dos autores e não toma corpo na vida de quem exerce a docência?

Questiono saberes e fazeres, desconectados. Questiono a relação entre os sujeitos pedagógicos que ao invés da interação e da construção dialógica do conhecimento se reflete como reprodutora de modelos. Questiono a mim mesma e aos motivos que me levaram até aqui. Os ideais e e ideias, 'pedras no caminho', entre escolas públicas, particulares e universidade. Um pergunta me aconselha: tipo de legado irei deixar?

O avião está descendo, logo estou chegando em casa, peço licença pra dialogar, perdoe o mal jeito, vou atrás de desatar o nó, nesse ponto, que eu sei que juntos, todos poderemos voar.


Hábraços